Hoje decidi partilhar com vocês uma reportagem do Jornal Público, a qual, me revejo, pois eu também tive a minha "carreira" desportiva como ginasta enquanto estudava, sem ter tempo para nada.
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Mais de 50 alunos entraram num projecto-piloto para conjugar treinos, provas e aulas. Taxa de sucesso do primeiro período: 91,2%.
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AMUEL SILVA (Texto) e NELSON GARRIDO (Fotografia) |
As terças-feiras de Francisca Ribeiro são uma correria. É o dia da semana em que as aulas terminam mais tarde, às 16h30. Uma hora depois começa o treino no ginásio do Boavista. O facto de a Escola Básica e Secundária Fontes Pereira de Melo, onde frequenta o 5º ano, ficar praticamente em frente às instalações do clube do Porto joga a seu favor. Mas não o suficiente para os hábitos da ginasta: “Eu gosto de ir mais cedo para alongar bem”. Nos dias em que não tem aulas, àquela hora já está à porta do local de treino.
Aos dez anos, Francisca é a mais jovem aluna integrada no projecto-piloto lançado no início deste ano lectivo pelo Ministério da Educação que resultou na criação de Unidades de Apoio ao Alto Rendimento na Escola (UAARE) em quatro escolas do país. A intenção é ajudar atletas envolvidos em alta competição a conciliar a preparação desportiva com bons resultados escolares. A iniciativa foi pensada para alunos do 3º ciclo e ensino secundário, mas a ginasta do Boavista acabou por ser incluída dadas as especificidades da modalidade, onde o ponto alto da carreira dos atletas acontece em idades mais precoces.
Quando isso acontecer, Francisca Ribeiro espera estar em condições de representar Portugal nos Jogos Olímpicos. É para isso que treina agora, mas não foi o que a levou a praticar ginástica rítmica, aos 4 anos, antes uma decisão familiar: “em casa estava sempre a fazer cambalhotas e a minha mãe tinha medo que eu me magoasse e inscreveu-me na ginástica”. Desde então, já subiu a vários pódios em torneios um pouco por toda a Europa e chegou aos estágios da selecção nacional da modalidade, onde está classificada como “atleta de alto potencial”. As UAARE integram tanto estudantes que estão classificados com o estatuto de atletas de alta competição – que o ME estima que sejam cerca de 200 no ensino obrigatório – e aqueles que, como Francisca, têm o potencial para vir a beneficiar desse estatuto, em função do enquadramento definido por cada uma das federações e pela respetiva escola.
No último estágio da selecção, a ginasta de 10 anos teve que faltar três dias à escola. Os professores não estranharam. “Agora são informados atempadamente e encaram a situação de forma completamente diferente. Antes, muitos não percebiam porque é que os alunos estavam a faltar”, conta Pedro Seco, que coordena a UAARE da Fontes Pereira de Melo. Nesta escola, estiveram dez atletas envolvidos no projecto no 1º período – aos quais se juntou esta semana uma tenista que se mudou de um dos principais colégios privados da cidade para a escola neste 2ª período por ter percebido que ia ter mais apoio na escola pública por causa deste projecto.
“Os professores muitas vezes nem sabiam que nós praticávamos um desporto ao mais alto nível. Agora compreendem que isto é quase como um trabalho fora da escola”, confirma Diogo Santos, 17 anos, aluno do 12º ano e jogador de andebol. Apesar de ter ainda idade júnior, tem jogado na 1ª divisão da modalidade, ao serviço dos Águas Santas. Está na Fontes Pereira de Melo desde o 6º ano e percebeu as mudanças que a implementação do projecto da UAARE representou na sua relação com os professores.
Fazer circular a informação foi a primeira mudança das UAARE. Os docentes sabem agora quando os seus alunos têm compromissos desportivos como provas ou estágios e recebem mapas com a indicação das épocas em que há maior concentração de competições. Nessa fase, é-lhes pedido que não sobrecarreguem os estudantes e, em contrapartida, são indicados os períodos ideais para que lhes seja pedido um esforço suplementar na escola.
Neste primeiro ano, estão integrados no projecto 52 alunos, do 5º ao 12º ano, envolvendo 11 modalidades: da canoagem, à natação, passando pelo ténis ou kung fu. Os resultados têm sido “muito positivos”, avalia Victor Pardal, que coordena as UAARE a nível nacional. O indicador de sucesso destes estudantes (medido pelo número de disciplinas em que os alunos tiveram notas positivas) situou-se, no 1º período, nos 91,2%. Já as notas médias dos alunos que frequentam o ensino secundário estão nos 13,03 valores (escala de 0 a 20), ao passo que no 3º ciclo são de 3,82 (escala de 1 a 5).
Além da escola do Porto, estão envolvidas no projecto-piloto outras três: a Secundária Amélia Rey Colaço, em Linda-a-Velha, a Secundária de Rio Maior e a Secundária de Montemor-o-Velho. Em cada uma, foi constituída uma equipa pedagógica, que envolve o director, o professor acompanhante, o psicólogo da escola e os professores das disciplinas e os professores de apoio.
Todos os estudantes das UAARE têm ainda à sua disposição a Sala de Apoio Aprender Mais, que tem um dimensão física e outra digital. Cada escola tem um horário reservado para que os alunos-atletas possam apoio personalizado requisitar a presença de um professor da disciplina que pretendem trabalhar, para tirar dúvidas, ou recuperar matéria, preparar para testes e exames. Na internet, têm também disponíveis materiais curriculares e de apoio numa plataforma informática (moodle) para que, quando estão em estágios, competições ou mesmo em casa, possam ir estando a par dos conteúdos que estão a ser lecionados aos seus colegas de turma. Os alunos têm igualmente professores a quem podem recorrer, por Skype e ou e-mail em caso de dúvidas.
“Estes alunos têm uma vida infernal”, sublinha Victor Pardal – “têm uma vida com dupla jornada de trabalho, cinco horas de aulas e cinco horas de treino, em média, por dia”. A ginasta Francisca Ribeiro treina seis dias por semana. De segunda a sexta, três horas consecutivas a partir das 17h30. Aos sábados treina durante todo o dia, num total de nove horas. Diogo Santos treina frequentemente duas vezes por dia: primeiro com a equipa sénior do Águas Santas, em seguida com os colegas da sua idade. Também costuma jogar em ambos os dias do fim-de-semana por ambos os escalões. “Não há muito tempo para estudar”, confessa.
Pardal foi o responsável pela pré-história desta ideia, que remonta a 2009, quando criou o Gabinete de Apoio ao Alto Rendimento na escola Secundária de Montemor-o-Velho. “Tínhamos vários alunos a frequentar a escola que eram atletas no centro de alto rendimento do concelho e para os quais não havia respostas pedagógicas”, recorda ao PÚBLICO o professor que hoje coordena as UAARE a nível nacional. Em seis anos, passaram pelo projecto de mais de 80 alunos e o Ministério da Educação, através da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, acabou por pegar na ideia e aplicá-la a nível nacional.
In Público.
Catarina Gonçalves